Depois de muitas interrogações sobre os exercícios “deambulatórios” sobre a beleza que fomos fazendo ao longo do workshop – interrogações do género “E agora quê? Para quê que isto serve?” – optei por meter a mão na massa num projeto já existente, mas que estava a precisar de uma espécie de lifting.
Um projecto subnutrido, carenciado e ideal portanto para responder à minha pergunta inicial – Vamos lá então a ver para quê que isto serve? Às vezes, para brincar, eu digo que sou uma cientista e fico logo toda contente! a verdade é que prefiro exercícios de funcionalidade a exercícios de abstração e então, resolvi ceder ao meu lado analista, neste tempo de “se não podes convencê-los, confunde-os”.
Eu estava descontente com as instalações de video da série “Ela só queria ser arrebatada” por duas razões:
1. Todos os pequenos quadros de video sobre o feminino que fui fazendo nos últimos anos eram bastante desconexos entre si do ponto de vista da sua linha estética, embora partilhassem a mesma linha poética – a minha ideia de feminino, que resultava afinal numa série de lugares comuns e abra-se aqui um parentesis para explicar melhor: “comuns”, claro, à nossa comum ideia de feminino. Digamos que eles me pareciam “um para cada lado” e gostava por isso de lhes acrescentar unidade.
2. A segunda razão prende-se com um certo toque de drama ou, conforme disse a Prima, de “história”, que gostaria de limpar do meu trabalho, pelo menos para já. Estou cada vez mais interessada na simplicidade e não quero arabescos, chinoiseries de espécie nenhuma. Não é nada de novo, tenho visto muito disto, mas é novo para mim e sobretudo, gosto. Gosto de ver aquele “cru”, subtil e delicado como um sushi.
O método:
Decidi trabalhar a questão da “unidade” apenas pôr colocar os quadros em sequência e repeti-los até que, naturalmente começassem a ganhar semelhanças formais entre si.
Quanto a questão da “simplicidade” adviria do “se” – “mágico”, à boa maneira stanislavskiana conforme já disse à Teresa (É que a tradição também tem as suas coisas) – dizia eu que a simplicidade adviria do “se” que escolhi, que foi o seguinte
“E se… a beleza fosse simples.”
E pronto. Conforme fomos fazendo a longo do workshop, é só concentrarmo-nos no nosso “se” e deixar o corpo enunciar a resposta, não podendo haver método mais simples.
Percebi então que teria de ter a estrutura muito bem montada para depois repeti-la inúmeras vezes, até que, à semelhança dos exercícios de “ses”, a beleza se revelasse por disponibilidade e aceitação. Mas deparo-me imediatamente com um problema: a estrutura não está nada bem montada. Lanço-me então à tarefa de:
1. Rever todos os videos, destacando aquilo que de acção e set é fundamental em cada um, de forma a ser transposto para a cena de forma “simples”.
2. Reunir todos os adereços que me estão a faltar para realizar as acções.
Fui então rever todos os videos, destacando o essencial, o que não é assim tão difícil, porque já os conheço bastante bem, mas já a procura dos objectos tem sido uma azáfama. Como podem imaginar há limites de orçamento que me fazem optar pelo charriot do Ikea em vez do da Area e isto aborrece-me, porque um é muito mais bonito e funcional do que outro e tanto “bonito” como “funcional” são conceitos que eu tenho de respeitar. Sem querer ser vulgar, é certo e sabido que às vezes o orçamento fala ainda mais alto do que a beleza – o que é com certeza uma novidade para vocês…).
Atendendo aos pormenores mundanos e desprezíveis do orçamento possível, passeio então pelas lojas onde penso encontrar os meus adereços levando o meu “se” na cabeça. E eis-me a passear nos corredores do Toys’r’Us, do Continente, do Norte Shopping com o meu “E se a beleza fosse simples?...” o que, reparo, condiciona a minha escolha de forma interessante. Por exemplo: começo a optar por objectos brancos em vez de objectos de cor, opto por metais e não por plásticos e sobretudo começa a esboçar-se essa premissa de “funcionalidade” que viria a revelar-se da máxima importância. Ao princípio chamei a isto uma “linha iconográfica fundamental”, o que quer dizer simplesmente que a qualidade das imagens e dos objetos era da máxima importância (até porque eu estava a trabalhar a minha ideia de feminino e eu não penso em “feminino” sem pensar em beleza. A beleza é um valor feminino, que me caiam em cima o quanto quiserem por dizer este possível lugar comum. Comum a quem? a nós, volto a destacar.) Mas no centro desta “coisa” iconográfica eu não podia deixar nunca a minha premissa de simplicidade, o que imediatamente me afasta do drama, barroco, do qual desde o início me quero libertar (pelo menos para já). Uma pequena excessão para o azul que foi surgindo e que eu deixo ficar como discreto elemento lúdico (um colorido!), quer dizer: que não é imediatamente funcional. Por outro lado, azul é a cor dos meninos e isto satisfaz a minha veia irónica.
Por esta altura já estou completamente envolvida num prazer mórbido à volta da ideias de“funcionalidade” e é portanto com deleite que me perco na secção de “Organização” do Ikea… Fico horas a estudar possibilidades de encaixe e estruturação: charriots, gavetas, caixas, tampas, sacos, tudo isso me seduz e estou a começar a pôr em causa a minha sanidade mediterrânea… Percebo que este pequeno êxtase se deve a ter encontrado um ponto verdadeiramente sensível da minha procura de beleza pessoal:
ORGANIZAÇÃO. ESTRUTURAÇÃO. ARRUMAÇÃO. LIMPEZA.
Depois deste episódio, revelador de identidade ou subjetividade na procura pessoal, fico muito feliz e vou para o ensaio toda contente montar o meu charriot e as prateleiras brancas, mas mal começo os parafusos do Ikea partem-se todos e eu não consigo montar, nem experimentar a minha singela e bonita estrutura. No meio da desventura, no entanto, aconteceu uma outra coisa importante.
Por entender que montar o charriot já fizesse parte do ensaio, comecei a mentalizar o meu “E se a beleza fosse simples?...” durante a fase da bricolage. “A bricolage chegou à dança contemporânea”, pensei. Foi então que nova revelação se apresentou sob a forma de uma evidência bem iluminada:
“O meu projeto B poderia ser montar o charriot!”
É que todo o meu projeto B, a minha procura de beleza, foi no sentido de estruturar uma coisa desconexa de forma funcional e simples (como as linhas do meu charriot). No sentido de encontrar uma estrutura (cénica) capaz de dar suporte a uma beleza previamente ausente, ou seja, a minha partitura “Ela só queria ser arrebatada” de uma forma organizada. Através do estudo cénico d’ “A montagem do charriot”, nada então haveria de mais simples e cru. Se o estimado leitor ainda tiver a amabilidade de continuar a lêr este relatório exaustivo do que têm sido as duas últimas semanas da minha participação no “Projeto B”, gostará então de saber a conclusão de todas estas peripécias.
O meu projeto inicial é dar beleza a um projeto (“Ela só queria ser arrebatada”) carente de determinadas caraterísticas que relaciono com a beleza: unidade e simplicidade. Este é o meu projeto inicial. “A montagem do charriot” seria um excelente Projeto B, mas afastar-me-ia da minha proposta inicial. Isto porque “A montagem do charriot” seria um projeto sobre a minha procura de beleza, mas não sobre a aplicação prática dos exercícios num projeto carente.
A partir de agora isto será um exercício lúdico de matemática, para vocês verem se eu sou ou não sou uma cientista.
Se eu estou a fazer um projeto B, mas este se soma a um projeto meu prévio, então eu tenho de fazer a seguinte operação:
A minha procura de beleza (ou A montagem do charriot) + Projecto carente (ou Ela só queria…) = X
A + B = X
Sendo A = Projeto B = necessidade de organização, estruturação, limpeza e arrumação.
E sendo B = Ela só queria ser arrebatada = Meu/ nosso lugar comum feminino.
Então, o valor de X parece-me ser:
NECESSIDADE DE
ORGANIZAÇÃO,
ESTRUTURAÇÃO,
LIMPEZA,
DO MEU/ NOSSO
LUGAR COMUM FEMININO.
Aqui sorrio, porque estou divertidíssima. É este o resultado do meu projeto B.
Ressalvo que dentro do tempo de que disponho para ensaiar a minha partitura, estou certa de que muito dificilmente conseguirei a limpeza necessária à cena, por isso tenho de aceitar o que for possível, esforçando-me naturalmente por esticar ao máximo essa fasquia do “possível”.
De qualquer forma considero o resultado muito positivo e estou grata pelo caminho percorrido com a ajuda de todos. Eu estou mesmo grata por termos trocado de meias uns com os outros.
Beijinhos.
Micaela, a Pedra
terça-feira, 14 de abril de 2009
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No ensaio de ontem, segunda feira, percebi a fragilidade da minha estrutura. Eu não quero que a minha estrutura seja frágil (embora, já sabemos, Rogério, que as estruturas são sempre frágeis e ainda bem, senão seriam obsoletas e teríamos de as gramar para sempre, etc, etc.) Por isso, terei de fazer uma alteração a esta legenda que fiz, na qual esta ideia está muito pouco contemplada. Eu não quero que seja frágil, porque não me interessa fazer uma estrutura bamba para o meu imaginário feminino, embora ache mesmo muita piada a fazer essa mesma estrutura, no fundo disfuncional, para o meu/nosso lugar comum feminino.
ResponderEliminarHum... Bem, vou pensar melhor nisto...