quarta-feira, 21 de abril de 2010

"A importância da Beleza" (excertos)

Conversa integrada no “Ciclo de conversas com pessoas sentadas em círculo” que fazem parte do Projecto B de Teresa Prima (T), coreógrafa e pedagoga e teve lugar a 18 Fevereiro de 2010 no NEC.

Convidados: Rui Penha (R), compositor, músico e professor; e Manuel de Souza Falcão (M), artista visual, historiador de arte e professores

Moderador: Paulo Duarte, sj (P)


Participante: Poderemos dizer que há belezas ou uma beleza?

T: Há muitas belezas porque há muitos olhares. Como estamos sempre em mudança, hoje posso encontrar beleza num sítio e amanha é outra coisa que desperta a minha curiosidade...

Participante: A beleza é uma experiância meramente subjectiva ou há qualquer coisa de colectivo? Ou seja, é algo que pode ser experientado por todos e não só por alguns?

T: Quando eu ofereço este projecto B aos outros, depois cada um direcciona a palavra beleza para onde quiser. Quando eu falo da palava beleza para mim, eu refiro-me a uma procura da essência.

P: Há espaço para o belo nos dias de hoje? ou o belo é algo elitista?, Só para os eruditos ou os artistas ou os que visitam os museus?

M: Há sempre espaço para o belo, mas na sociedade dos dias de hoje, predominantemente técnica e económica, a beleza parece estar reservada a um grupo priveligiado, um grupo priviligiado para se dar ou pensar na contemplação da beleza... A maior parte das pessoas têm que lutar por outras coisas... Mas sim, há espaço para o belo.
O belo rodeia-nos, está à nossa volta, mas a capacidade para o captar está reservada a esse grupo que tem uma matriz cultural que lhe permite vêr, captar o belo.

R: A beleza define-se por uma sensibilidade perante a beleza. Ela existe quando alguém a identifica. Pessoalmente, eu associo a beleza a uma ideia de serenidade, não necessariamente do objecto que é apresentado, mas serenidade na contemplação, na relação com esse objecto. Ou seja, não é só necessário desenvolver essa capacidade de identificar a beleza, mas também a serenidade para gostar e ter tempo de a identificar.

P: Então parece-me que hoje em dia, para encontrarmos esse espaço de beleza é preciso educarmo-nos para tal... Como professores, qual é a vossa experiência?

R: Tive hoje um exemplpo disso, porque sendo a música uma linguagem abstracta, a linguagem da musica contemporânea está muito muito distante daquilo que é o quotidiano musical da maior parte de nós. E a maioria dosalunos não tem essa intimidade com a criação contemporânea. Ainda hoje tive esse embate de estar com alunos a mostrar-lhes obras importantes do sec XX (porque, de facto, eu acredito que a forma como nós analizamos uma obra diz mais sobre nós próprios do que sobre a obra em si), mas rebebi uma enorme resistênca por parte dos alunos.
Na educação para a sensibilidade eu acho que nós devemos mostrar as obras em que realmente acreditamos, conhecemos e perante as quais somos sensíveis. Porque de outra forma é contraproducente, eu penso que temos muito mais impacto enquanto professores quando mostramos aquilo em que realmente acreditamos, porque o entusiasmo passa, assim como a resistência também passa...

M: O mais importante é preparar as pessoas como pessoas. Criando uma relação com os alunos que permita que eles se abram, podemos depois ir falando de outras coisas. É muito importante estar acessível para que as pessoas possam dialogar...

P: Sinto que a educação actualmemente é muito objectiva. Sentem que há de facto uma educação que desenvolva uma busca de uma sensibilidade?

R: Um exemplo: estava eu a folhear a “História do belo” do Umberto Eco e apercebi-me, ao ver aquelas imagens dos diferentes “adonis” ao longos dos tempos, que os exemplos são tão mais indiscutíveis quão mais antigos são, e tão mais discutíveis quão mais recentes são. Choca-me profundamente ver a imagem do Schwarzenegger como exemplo contemporâneo de adonis; qualquer ideia de beleza associada ao Schwarzenegger choca-me profundamente...
É possível estabelecer critérios à postriori, a nossa formação e o facto de estarmos inseridos todos numa detrerminada cultura permite-nos ter referências comuns para podermos dialogar... Somos facilmente capazes de identificar a beleza em períodos históricos do passado, mas em relação à criação contemporânea penso que estamos um bocadinho tréguas à nossa própria sensibilidade, à educação, às referencias que temos, a quem somos....

M: Para ir à procura da beleza é preciso fazer uma matriz, tem de haver alguns critérios para sabermos o que é que estamos à procura... Uma matriz pode ser individual e depois partilhada por um grupo...

P: Desde o modernismo, fala-se muito de autonomia, cada um cria as suas próprias regras, mas nós precisamos também de heteronomia, de nos guiarmos pelas regras dos outros... A questão que coloco é, neste processo de encontro com a beleza, como é que eu consigo articular as normas do passado (esta heteronomia, esta história) com o meu próprio processo criativo?

M: Eu penso que o ser humano não cria, o que o ser humano faz é operar com as informações que recebe através dos sentidos, a criação não é um atributo humano... O que se faz é operar com sons que se conhece, imagens que se conhece, literatura que se conhece, conceitos que se conhece; incorporamos na nossa própria personalidade e depois sai a produção.

R: O impulso criativo resulta também das referências que temos (mesmo que aconteça muitas vezes de uma forma inconsciente). Existe um lado para além da racionalidade que nos permite criar conecções e isto tira o peso da capacidade criativa...
O homem verdadeiramente rico é o homem verdadeiramente culto. Um homem verdadeiramente culto é um “self-made man”.

P: Como é que sabes quando chegou o momento do click (estalar de dedos)?

R: Pensei o que é para mim a beleza, na minha música... Estaria a mentir se dissesse que não adoro sentir o belo. É uma experiência excepcional... Como eu penso que a identificação da beleza é algo que está directamente relacionado com as referências, eu procuro misturar na música que crio diferentes tipos de beleza, com os parâmetros que trabalho: timbre, harmonia, melodia, ritmo, etc. Por exemplo, eu gosto da beleza métrica da música indiana, então estudo-a para tentar entender de onde vem essa beleza, e vou tentar icorporar isso e junto-o com outro elemento de outra referência qualquer...

M: No trabalho que faço, o que eu procuro é trabalhar bem e daí sai a possibilidade da beleza. Eu não trabalho há procura da beleza. Mas há a possibilidade de, depois de ter feito isso com amor e pensando no bem de alguém, depois disso, de surgir a beleza...

P: A possibilidade abre espaço para o outro.

M: Sim, por isso é que eu digo que passo o trabalho para o outro. O trabalho também existe em quem o frui, em quem encontra nele a hipótese de contemplação.

T: Eu penso que, para mim, o que é importante no meu trabalho é como é que tu podes criar uma experiência perante aquelas pessoas, (que seja um dar ao outro), para que aquelas pessoas se possam apropriar disso e criar algo a partir disso. Este espaço de troca para mim é até mais importante do que apenas o objecto fnal.

R: Sim, eu gosto muito dessa ideia do potencial de beleza. Vou roubá-la. E eu penso que nas artes performativas, talvez o potencial dessa ligação posssa ser maior por existir o elemento humano ao vivo... Quando uma pessoa se senta numa sala de espectáculos, senta-se com uma predisposição a estabelecer uma conecção.

Joclécio: Num espectáculo estamos sempre perante o risco porque mesmo que o que vai ser apresntado esteja já escrito e completamente definido, há sempre o risco porque algo via acontecer a seguir... É uma sensação de fragilidade... A maior parte daquilo onde eu vejo beleza encontra-se nesta fragilidade, e não nos cânones clássicos de beleza definidos por parâmetros. Para mim há um elemento muito interessante que é o o que é que vai acontecer agora, nesta fragilidade da possibilidade. Há uma característica que eu gosto muito no performer, este que dá o corpo ao manifesto, que é facto do “artista, o intrumento e a obra habitarem a mesma entidade” (filósofo alemão).

R: Penso que pode ser importante termos consciência que vamos assistir a um processo, e que se essa beleza acontecer é a cereja no cimo do bolo.
(...)

P: A experiência do impacto que a obra tem em mim, quando eu vou disponível para a receber o que ela tem para me dar. Pode provocar-me, agitar-me.

Participante: Eu acho que é tudo uma questão de disponibilidade. Se estamos dispostos ou não a vêr beleza. Se calhar ela está em toda a parte, em todo o lado ou em parte nenhuma. Estamos dispostos ou não a vê-la.

T: Sim, por isso é que eu estou interessada em trabalhar isso com o espectador. Como é que o disponibilizamos? Eu, no projecto B estou interessada na procura da possibilidade de vêr o que acontece quando eu vou neste processo. Não estou tão interessada em qual vai ser o fim; eu quero viver a viagem...

R: Se calhar o anseio em encontrá-la pode fazer com que ela fuja mais depressa. A beleza acontece quando uma série de coisas se conjugam, é um feliz acaso. Se calhar a melhor forma de predispor o público pode ser criar o contexto certo, na hora certa, dando a pré-informação certa. E depois não ficar muito desiludidos se ela não acontecer...

T: Sim, eu penso que a única coisa que podemos pensar é em dar o melhor de nós.

R: Eu se calhar tenho uma forma um bocado naif de ver as coisas, mas acho que quando a beleza acontece, toda a gente que está presente vai sentir... Portanto eu acho que o que nós temos de fazer é deixar de nos preocupar, gozar a viagem quer ela chegue ao fim quer não chegue...

António: Mas é que aqui nós estamos mesmo à procura da beleza. E como o que interessa é o meio e não o fim, eu não falho.
Eu penso que neste campo é muito mais importante o “tempo de qualidade” do que o tempo cronológico.

Joclécio: Como é que se trabalha o outro lado? Como é que se trabalha esta sensibilidade para reconhecer, como é que se chega lá do ponto de vista de quem recebe?
Há um elemento que considero importante em relação ao espectáculo vivo que é o partilharmos o mesmo espaço e o mesmo tempo, e o ter consciência de alguém que observa. Há uma dimensão muito nítida de diálogo.

T: No caso dos ateliers que dou, é isso que eu trabalho: o tornar-se disponível para algo. Para isso fazemos exercícios acerca de como esquecer o tempo, como render ao que já lá está, etc.

Participante: Que decisões podemos tomar para criar essa disponibilidade no espectador? Ou seja, o nº de pessoas no público, o local, a informação que é dada antes, o formato da apresentação, etc.

Joclécio: Há aqui outra questão para mim que é a qualidade da relação que eu penso que faz parte da própria composição. Tudo isso será determinante. Ao apresentar um espectáculo num estádio ou num contexto eu-tu, são criadas relações completamente diferentes. Penso ser importante trabalhar a possibilidade da inclusão, o que não acontece quando exite a ideia de 4a parede; esse é um olhar desinvestido. Quando investimos em abordar a questão da inclusão, há uma ideia de que estamos juntos, que vens comigo.

P: Nós hoje somos estremamente racionais, não estamos educados para o sensível (o sensível no sentido da coisa ressoar em mim, de ser tocado), para o impacto que o sensível pode causar. Por isso sinto que a importância da beleza também reside aqui, porque a beleza impacta-me. A beleza obriga-me a uma fluidez de mim própria. A beleza transcende.

Cristiana: Penso que a beleza alimenta, com pequenas e grandes manifestações, o teu dia a dia, tanto na arte, como na vida. Essa própria diversidade da beleza se manifestar também é uma coisa que eu acho muito interessante.

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