quarta-feira, 21 de abril de 2010

"E a Beleza, onde nos leva?" (excertos)

Conversa integrada no “Ciclo de conversas com pessoas sentadas em círculo” que fazem parte do Projecto B de Teresa Prima (T), coreógrafa e pedagoga e teve lugar a 18 Março de 2010 no NEC.

Convidados: Miguel Patrício (M), matemático e professor; Nuno Ramalho (N), artista plástico; Gustavo Cunha (G), professor de yoga.

Moderador: Paulo Duarte, sj (P)




P: Na busca do sentido da vida, qual o espaço ou lugar para a beleza?
Há beleza na matemática?

M: Há, há beleza na matemática. Para mim há estas questões: onde é que se encontra a beleza na componente técnica da vida e para que é que serve a beleza? Para mim essa beleza na matemática está no entendimento, quando as pessoas não percebem não gostam, depois de perceberem gostam, portanto penso que a beleza pode estar no entendimento.

P: E a beleza, onde é que ela anda na arte?

N: Desde que eu estudo para ser artista a beleza nunca foi uma das minhas inquietações, nunca foi uma ideia que eu me deparasse a ser explorada por outros criadores...
A beleza provavelmente vem pela arte, mas não se esgota aí, não entendo que seja o objectivo máximo da arte... claro que falando da actualidade. Há séculos atrás seria provavelmente muito fácil para um criador falar sobre a beleza ou sobre determinado aspecto da beleza. Para mim, hoje, é-me muito difícil pensar na beleza como algo fixo, mesmo dentro do campo da arte, que seria o lugar que lhe estaria reservado.

T: Interessa-me esse exercício de localizar a beleza num determinado campo... Mas quando falo de beleza no âmbito do projecto B o que para mim significa é a ideia de essência, do que está detrás, do detrás, do detrás, quando tentamos procurar isso nessa linha.

P: No fundo é um desfolhar, um destapar...

T: Sim, um viver a possibilidade de isso poder acontecer.

P: E no pensamento indiano? Sei que estudaste uns textos, os Upanishads que falavam sobre a beleza...

G: Sim, os Upanishads são dos textos mais antigos da humanidade, esses textos encaram a beleza como algo ligado à plenitude, ao equilíbrio, a algo correcto, algo que tem uma ordem por detrás, que não é caótico. Dizem que a beleza existe quando somos capazes de vêr para além da aparente beleza dos objectos; encaram o belo como essa tal ordem, o absoluto, a semente, a essência de tudo o que existe. Ao contemplar um pôr do sol, por exemplo podemos ter um momento de epifania.
Segundo esses textos, a beleza pode levar-nos a um início, a um encontro connosco próprios, leva-nos até nós mesmos. É essa a beleza que estes textos se referem, algo que já está, que sempre esteve, que vai existir depois. Portanto todo o momento é belo em si mesmo, trata-se de nós captarmos isso.

P: Podemos observar que a beleza pode ter um carácter universal... a matemática também.

M: Sim, uma das coisas que sempre me fascinou na matemática foi a sua universalidade, a possibilidade de através da matemática poder traduzir fenómenos do mundo real, em números, por haver uma ordem por detrás das coisas. E isso é reconfortante.
Quanto à ideia de epifania, eu penso que existe imenso na matemática, por exemplo quando os alunos de repente percebem algo ou relacionam com outra disciplina. Isso para mim é uma alegria enorme.

P: Na arte, por exemplo essa epifania estará na experiência, por exemplo, no momento artístico, no momento criativo?

N: Entendo que a beleza é sempre uma coisa demasiado fugidia para aquilo que eu pretendo, para a forma como vejo o mundo e as coisas à minha volta. Portanto parece-me que enquanto criador a beleza está em sentir-me agitado, em sentir-me em conflito, jogado contra as coisas, não está numa procura de que esse efeito de caos se dissipe, se torne plano...
Se temos uma ordem tão específica no mundo que nos rodeia, então eu penso que a arte, se destilarmos bem as coisas, não serve rigorosamente para nada... Então nesta sociedade onde se ensina a ser técnico, prático, assertivo, se calhar o efeito belo da arte é conseguir trabalhar no sentido contrário, é conseguir introduzir interrogações profundas, transversais, cortes, dentro de determinado entendimento das coisas.

G: Do ponto de vista da minha área, um filósofo estará preocupado com as questões: como é que é possível haver beleza?, porque é que uma pessoa considera algo belo?, o que é que criou a beleza em si e o seu oposto no indivíduo? (...)
Talvez a beleza nem me pertença, talvez eu não possa ter a pretensão de querer agarrar a beleza... Se calhar a beleza está em si mesma, e portanto pessoas de diferentes culturas podem captar a beleza por ela ser universal.
Segundo o yoga todos os momentos são belos, porque existe uma ordem que em si mesmo é perfeita. A beleza estará então em entender que para lá dos meus desejos existe uma ordem que propicia que as coisas acontecem de determinada forma. Portanto quando acontecem momentos que eu posso considerar menos bons, sei que eles aconteceram porque tiveram de acontecer, porque existe uma ordem por trás de todas as coisas, e assim eu posso apreciar todos os momentos com outra plenitude...

P: A beleza tem então este carácter absoluto, mas como é que a encontarmos no particular, no dia a dia... Penso então na questão da matemática, da arte... Por exemplo, a arte, do ponto de vista tecnicista da actualidade não serve para nada, mas pode servir para uma conversão interior... Pessoalmente, penso que a arte é o apogeu do humano, no sentido de reflexão, no sentido de projectar, no sentido desta fusão entre o concreto, o pequeno, e o absoluto... Poderá a beleza ser motor de mudança e de conversão interior e exterior? para nós e para os outros? com aquilo que faço, com aquilo que produzo, com a forma como me relaciono com os outros? Poderá a beleza ser motivo de?
(...)

NR: Penso que existe um perigo da beleza quando a colocamos na prateleira da arte... Pensar: “Isto tem de ser belo”, e mais nada, terminar aí a função da arte: criar beleza, pô-la à disposição das pessoas, dar-lhes um conforto... A arte que considero mais interessante não é isso. A arte tem muita coisa... Eu acredito mesmo que os artistas são belos... têm que saber de muitas coisas diferentes, olhar para as coisas de muitas maneiras...

Participante: Como artista, sou muito céptica sempre que ouço palavras como universalidade, ou absoluto. Eu penso que é muito importante expandir a mente para percepcionar a beleza e o movimento... E se pudéssemos treinar a nossa capacidade de descrever o mundo, já que ele está sempre a passar a correr à nossa frente...

P: Poderá então a beleza vir até nós?

Cristiana: Às vezes a beleza vem ter connosco sem estarmos à espera, sem fazermos nada de concreto para que isso aconteça. É uma coisa que nos transcende de algum modo...

G: Se calhar a génese da beleza está numa coisa primordial... A beleza está em determinado lugar ou está em todo o lado? Seremos nós apenas que a colocamos num lado ou noutro de forma subjectiva?

Cristiana: se calhar a arte tem também um pouco esse objectivo, dar a vêr o que já lá está, mas não está a ser percepcionado dessa forma...

P: Até agora falamos de momentos onde acontece um “click”, que nos deparamos perante uma ordem maior... E no caos também pode haver um “click”?

Mãe de M: Para mim, na matemática, o belo pode ser a procura da perfeição. Quando se atinge a perfeição e não se duvida que se a tenha atingido, isso é a beleza, mas é sempre um momento muito pequenino...

M: Portanto o caos, diria eu, é apenas uma fotografia que se nós sairmos, se a virmos de mais longe, encontramos a beleza... O caos, diria eu, é a ausência da ordem que ainda não encontrámos.

G: Nos Upanishads encontrei a palavra beleza associada a duas palavras: a primeira foi o feminino; a outra foi a verdade... Será que a beleza é a verdade em si?
(...)

P: A beleza pode ou deverá ser ponto de decisão na vida?
É muito interessante que a palavra saber adquire significados direntes consoante o contexto em que é usada, temos o verbo saber, no sentido de sabedoria e temos o verbo saber a, no sentido de sabor. “Não é o saber que sacia a alma mas o saborear as coisas eternamente”

G: Penso que aí remetes-nos também para a ideia de revelação, de clareza na mente. Penso que o que acontece é uma iluminação (esta palavra pode ser erradamente entendida), e depois acontece a sabedoria.

P: Penso que isso também pode acontecer numa relação entre 2 pessoas: à medida que me vou revelando e desvelando, que me vou despindo literalmente diante do outro e o outro vai fazendo diante de mim, há uma comunicação e um aprofundar de algo que acontece entre 2 pessoas. A beleza poderá levar-nos ao encontro com o outro?

G: O outro despido de tudo quem é senão eu próprio...

N: Por exemplo, a dinâmica entre o Miguel e a mãe à pouco tempo atrás, eu achei-a maravilhosa e ressoou em mim.. É este tipo de coisas que mais me alimentam como artista criador...

M: Uma coisa que acho importante é a predisposição que temos ou não para a beleza. Para mim a falta de predisposição, nos tempos actuais, principalmente dos alunos das partes mais técnicas, para ver a beleza em geral é assustadora.

P: Este projecto B de beleza vai operar em mim uma transformação, como indivíduo, como jesuita, como professor, como pessoa que vai estudar teologia no próximo ano... O que aconteceu aqui nestas 3 conversas é aquilo em que eu acredito na vida: um encontro entre pessoas diferentes no sentido que cada um trás a sua história, o seu conhecimento, o seu modo de ver... Penso que a verdade acontece no diálogo, acontece no encontro. A beleza leva-nos a muitas coisas, mas antes de mais, a um encontro. E se acreditarmos nesse encontro podemos crescer nas várias dimensões onde podemos crescer. Só posso dar graças, no sentido de agradecer.

Y: Se calhar podemos dizer isso então, que a beleza nos leva à união.

Participante: ...na diferença. União na diferença.

"A importância da Beleza" (excertos)

Conversa integrada no “Ciclo de conversas com pessoas sentadas em círculo” que fazem parte do Projecto B de Teresa Prima (T), coreógrafa e pedagoga e teve lugar a 18 Fevereiro de 2010 no NEC.

Convidados: Rui Penha (R), compositor, músico e professor; e Manuel de Souza Falcão (M), artista visual, historiador de arte e professores

Moderador: Paulo Duarte, sj (P)


Participante: Poderemos dizer que há belezas ou uma beleza?

T: Há muitas belezas porque há muitos olhares. Como estamos sempre em mudança, hoje posso encontrar beleza num sítio e amanha é outra coisa que desperta a minha curiosidade...

Participante: A beleza é uma experiância meramente subjectiva ou há qualquer coisa de colectivo? Ou seja, é algo que pode ser experientado por todos e não só por alguns?

T: Quando eu ofereço este projecto B aos outros, depois cada um direcciona a palavra beleza para onde quiser. Quando eu falo da palava beleza para mim, eu refiro-me a uma procura da essência.

P: Há espaço para o belo nos dias de hoje? ou o belo é algo elitista?, Só para os eruditos ou os artistas ou os que visitam os museus?

M: Há sempre espaço para o belo, mas na sociedade dos dias de hoje, predominantemente técnica e económica, a beleza parece estar reservada a um grupo priveligiado, um grupo priviligiado para se dar ou pensar na contemplação da beleza... A maior parte das pessoas têm que lutar por outras coisas... Mas sim, há espaço para o belo.
O belo rodeia-nos, está à nossa volta, mas a capacidade para o captar está reservada a esse grupo que tem uma matriz cultural que lhe permite vêr, captar o belo.

R: A beleza define-se por uma sensibilidade perante a beleza. Ela existe quando alguém a identifica. Pessoalmente, eu associo a beleza a uma ideia de serenidade, não necessariamente do objecto que é apresentado, mas serenidade na contemplação, na relação com esse objecto. Ou seja, não é só necessário desenvolver essa capacidade de identificar a beleza, mas também a serenidade para gostar e ter tempo de a identificar.

P: Então parece-me que hoje em dia, para encontrarmos esse espaço de beleza é preciso educarmo-nos para tal... Como professores, qual é a vossa experiência?

R: Tive hoje um exemplpo disso, porque sendo a música uma linguagem abstracta, a linguagem da musica contemporânea está muito muito distante daquilo que é o quotidiano musical da maior parte de nós. E a maioria dosalunos não tem essa intimidade com a criação contemporânea. Ainda hoje tive esse embate de estar com alunos a mostrar-lhes obras importantes do sec XX (porque, de facto, eu acredito que a forma como nós analizamos uma obra diz mais sobre nós próprios do que sobre a obra em si), mas rebebi uma enorme resistênca por parte dos alunos.
Na educação para a sensibilidade eu acho que nós devemos mostrar as obras em que realmente acreditamos, conhecemos e perante as quais somos sensíveis. Porque de outra forma é contraproducente, eu penso que temos muito mais impacto enquanto professores quando mostramos aquilo em que realmente acreditamos, porque o entusiasmo passa, assim como a resistência também passa...

M: O mais importante é preparar as pessoas como pessoas. Criando uma relação com os alunos que permita que eles se abram, podemos depois ir falando de outras coisas. É muito importante estar acessível para que as pessoas possam dialogar...

P: Sinto que a educação actualmemente é muito objectiva. Sentem que há de facto uma educação que desenvolva uma busca de uma sensibilidade?

R: Um exemplo: estava eu a folhear a “História do belo” do Umberto Eco e apercebi-me, ao ver aquelas imagens dos diferentes “adonis” ao longos dos tempos, que os exemplos são tão mais indiscutíveis quão mais antigos são, e tão mais discutíveis quão mais recentes são. Choca-me profundamente ver a imagem do Schwarzenegger como exemplo contemporâneo de adonis; qualquer ideia de beleza associada ao Schwarzenegger choca-me profundamente...
É possível estabelecer critérios à postriori, a nossa formação e o facto de estarmos inseridos todos numa detrerminada cultura permite-nos ter referências comuns para podermos dialogar... Somos facilmente capazes de identificar a beleza em períodos históricos do passado, mas em relação à criação contemporânea penso que estamos um bocadinho tréguas à nossa própria sensibilidade, à educação, às referencias que temos, a quem somos....

M: Para ir à procura da beleza é preciso fazer uma matriz, tem de haver alguns critérios para sabermos o que é que estamos à procura... Uma matriz pode ser individual e depois partilhada por um grupo...

P: Desde o modernismo, fala-se muito de autonomia, cada um cria as suas próprias regras, mas nós precisamos também de heteronomia, de nos guiarmos pelas regras dos outros... A questão que coloco é, neste processo de encontro com a beleza, como é que eu consigo articular as normas do passado (esta heteronomia, esta história) com o meu próprio processo criativo?

M: Eu penso que o ser humano não cria, o que o ser humano faz é operar com as informações que recebe através dos sentidos, a criação não é um atributo humano... O que se faz é operar com sons que se conhece, imagens que se conhece, literatura que se conhece, conceitos que se conhece; incorporamos na nossa própria personalidade e depois sai a produção.

R: O impulso criativo resulta também das referências que temos (mesmo que aconteça muitas vezes de uma forma inconsciente). Existe um lado para além da racionalidade que nos permite criar conecções e isto tira o peso da capacidade criativa...
O homem verdadeiramente rico é o homem verdadeiramente culto. Um homem verdadeiramente culto é um “self-made man”.

P: Como é que sabes quando chegou o momento do click (estalar de dedos)?

R: Pensei o que é para mim a beleza, na minha música... Estaria a mentir se dissesse que não adoro sentir o belo. É uma experiência excepcional... Como eu penso que a identificação da beleza é algo que está directamente relacionado com as referências, eu procuro misturar na música que crio diferentes tipos de beleza, com os parâmetros que trabalho: timbre, harmonia, melodia, ritmo, etc. Por exemplo, eu gosto da beleza métrica da música indiana, então estudo-a para tentar entender de onde vem essa beleza, e vou tentar icorporar isso e junto-o com outro elemento de outra referência qualquer...

M: No trabalho que faço, o que eu procuro é trabalhar bem e daí sai a possibilidade da beleza. Eu não trabalho há procura da beleza. Mas há a possibilidade de, depois de ter feito isso com amor e pensando no bem de alguém, depois disso, de surgir a beleza...

P: A possibilidade abre espaço para o outro.

M: Sim, por isso é que eu digo que passo o trabalho para o outro. O trabalho também existe em quem o frui, em quem encontra nele a hipótese de contemplação.

T: Eu penso que, para mim, o que é importante no meu trabalho é como é que tu podes criar uma experiência perante aquelas pessoas, (que seja um dar ao outro), para que aquelas pessoas se possam apropriar disso e criar algo a partir disso. Este espaço de troca para mim é até mais importante do que apenas o objecto fnal.

R: Sim, eu gosto muito dessa ideia do potencial de beleza. Vou roubá-la. E eu penso que nas artes performativas, talvez o potencial dessa ligação posssa ser maior por existir o elemento humano ao vivo... Quando uma pessoa se senta numa sala de espectáculos, senta-se com uma predisposição a estabelecer uma conecção.

Joclécio: Num espectáculo estamos sempre perante o risco porque mesmo que o que vai ser apresntado esteja já escrito e completamente definido, há sempre o risco porque algo via acontecer a seguir... É uma sensação de fragilidade... A maior parte daquilo onde eu vejo beleza encontra-se nesta fragilidade, e não nos cânones clássicos de beleza definidos por parâmetros. Para mim há um elemento muito interessante que é o o que é que vai acontecer agora, nesta fragilidade da possibilidade. Há uma característica que eu gosto muito no performer, este que dá o corpo ao manifesto, que é facto do “artista, o intrumento e a obra habitarem a mesma entidade” (filósofo alemão).

R: Penso que pode ser importante termos consciência que vamos assistir a um processo, e que se essa beleza acontecer é a cereja no cimo do bolo.
(...)

P: A experiência do impacto que a obra tem em mim, quando eu vou disponível para a receber o que ela tem para me dar. Pode provocar-me, agitar-me.

Participante: Eu acho que é tudo uma questão de disponibilidade. Se estamos dispostos ou não a vêr beleza. Se calhar ela está em toda a parte, em todo o lado ou em parte nenhuma. Estamos dispostos ou não a vê-la.

T: Sim, por isso é que eu estou interessada em trabalhar isso com o espectador. Como é que o disponibilizamos? Eu, no projecto B estou interessada na procura da possibilidade de vêr o que acontece quando eu vou neste processo. Não estou tão interessada em qual vai ser o fim; eu quero viver a viagem...

R: Se calhar o anseio em encontrá-la pode fazer com que ela fuja mais depressa. A beleza acontece quando uma série de coisas se conjugam, é um feliz acaso. Se calhar a melhor forma de predispor o público pode ser criar o contexto certo, na hora certa, dando a pré-informação certa. E depois não ficar muito desiludidos se ela não acontecer...

T: Sim, eu penso que a única coisa que podemos pensar é em dar o melhor de nós.

R: Eu se calhar tenho uma forma um bocado naif de ver as coisas, mas acho que quando a beleza acontece, toda a gente que está presente vai sentir... Portanto eu acho que o que nós temos de fazer é deixar de nos preocupar, gozar a viagem quer ela chegue ao fim quer não chegue...

António: Mas é que aqui nós estamos mesmo à procura da beleza. E como o que interessa é o meio e não o fim, eu não falho.
Eu penso que neste campo é muito mais importante o “tempo de qualidade” do que o tempo cronológico.

Joclécio: Como é que se trabalha o outro lado? Como é que se trabalha esta sensibilidade para reconhecer, como é que se chega lá do ponto de vista de quem recebe?
Há um elemento que considero importante em relação ao espectáculo vivo que é o partilharmos o mesmo espaço e o mesmo tempo, e o ter consciência de alguém que observa. Há uma dimensão muito nítida de diálogo.

T: No caso dos ateliers que dou, é isso que eu trabalho: o tornar-se disponível para algo. Para isso fazemos exercícios acerca de como esquecer o tempo, como render ao que já lá está, etc.

Participante: Que decisões podemos tomar para criar essa disponibilidade no espectador? Ou seja, o nº de pessoas no público, o local, a informação que é dada antes, o formato da apresentação, etc.

Joclécio: Há aqui outra questão para mim que é a qualidade da relação que eu penso que faz parte da própria composição. Tudo isso será determinante. Ao apresentar um espectáculo num estádio ou num contexto eu-tu, são criadas relações completamente diferentes. Penso ser importante trabalhar a possibilidade da inclusão, o que não acontece quando exite a ideia de 4a parede; esse é um olhar desinvestido. Quando investimos em abordar a questão da inclusão, há uma ideia de que estamos juntos, que vens comigo.

P: Nós hoje somos estremamente racionais, não estamos educados para o sensível (o sensível no sentido da coisa ressoar em mim, de ser tocado), para o impacto que o sensível pode causar. Por isso sinto que a importância da beleza também reside aqui, porque a beleza impacta-me. A beleza obriga-me a uma fluidez de mim própria. A beleza transcende.

Cristiana: Penso que a beleza alimenta, com pequenas e grandes manifestações, o teu dia a dia, tanto na arte, como na vida. Essa própria diversidade da beleza se manifestar também é uma coisa que eu acho muito interessante.